quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Veruschka – um perfil
Por Bruno Ghetti – revista ELLE (ed. 286 – março 2012)

A top no auge
“Você é linda /É quase colorida”, cantava Jorge Ben, em 1965, à sua musa, a modelo alemã Veruschka, ícone dos anos 1960, famosa pela silhueta esguia, as pernas longas e os lábios carnudos. Exuberante, tinha um olhar impessoal, talvez melancólico, que a tornava uma figura misteriosa.

Quatro décadas mais tarde, a ex-modelo lança sua autobiografia, mostrando que a observação de Jorge Ben foi de extrema sensibilidade: de fato, sua vida tinha elementos cinzentos demais para que uma mulher tão linda fosse colorida por inteiro. Em “Mein Leben” [minha vida, em alemão] (editora Dumont Buchverlag), Veruschka fala de sua terrível infância, da perda trágica do pai, das recorrentes crises de depressão e até de tentativas de suicídio. Mas também relembra histórias incríveis, com os bastidores de quem viveu intensamente uma das épocas mais empolgantes da moda. O livro, por enquanto, existe apenas em alemão (por ora sem previsão de lançamento no Brasil), mas a modelo falou com exclusividade a ELLE sobre alguns trechos.
“As pessoas me conhecem pela aparência, nunca pensaram que havia uma vida por trás das imagens. Mas eu estava viva! Achei que chegou o momento de falar o que se passou comigo. Mostrar que as coisas não são e não foram apenas glamour”, diz a alemã, hoje aos 72.

Uma das tops mais famosas de sua época, Veruschka diz hoje ter encontrado a serenidade, mas que penou por anos com uma insônia crônica e crises de pânico, chegando a querer por fim à própria vida. “Tive vários episódios depressivos ao longo da minha vida. Seguido a momentos de muito sucesso, vinham grandes crises de depressão, eu descrevo isso no meu livro. Às vezes eu não conseguia lidar mesmo com coisas simples. Cheguei ao ponto de não querer sair de casa, tudo o que eu fazia era com um enorme esforço. Mas se você supera esses momentos extremos, depois as coisas voltam ao normal. Escrevi o livro também para passar essa mensagem para as pessoas.”

Fazendo terapia, Veruschka entendeu que talvez sua melancolia tenha relação com sua difícil infância. Ela nasceu Vera von Lehndorff, em 1939, na cidade alemã de Königsberg (hoje Kaliningrado, na Rússia), meses antes da eclosão da Segunda Guerra. Seu pai era um conde milionário inimigo de Adolf Hitler que, em 1944, tramou um frustrado plano de assassinato ao líder nazista. Como castigo, morreu enforcado. A pequena Vera e suas duas irmãs foram afastadas da mãe, indo para a zona infantil de um campo de concentração – a família voltaria a viver unida só bem depois da guerra. “Tive uma infância terrível, muito difícil. Só não cheguei a passar fome, mas enfrentei enormes dificuldades”, diz Veruschka.

Na adolescência, a alemã tinha vergonha de ser tão alta (1,83m) e dos pés grandes (ela fez cirurgia para diminuir dois números em seus sapatos), mas um dia percebeu que seu exotismo poderia ser usado a seu favor. No fim dos anos 50, foi ser modelo em Paris, depois em Nova York, mas o sucesso não veio, e Vera quase abriu mão da carreira. Foi então que teve a grande sacada: procuraria os melhores fotógrafos para um book, investiria em uma atitude mais autêntica, blasé, querendo agradar menos que as outras modelos, e adotaria o intrigante nome de Veruschka. “Decidi que queria fazer algo grande. „Se for fazer isso, que seja para ter sucesso‟, eu me dizia. Sempre priorizei minha voz interior, não o que os outros diziam. Criei a partir de mim mesma uma personagem, que muitas pessoas achavam distante, misteriosa. Mas que sempre era eu mesma.” A tática deu certo, e a jovem se tornou habituée nas capas das principais revistas de moda.

Veruschka e David Hemmings em
cena icônica de "Blow Up" (1966)
O auge da fama viria em 1966, quando atuou em “Blow Up”, de Michelangelo Antonioni. O filme mostrava um fotógrafo arrogante (inspirado em David Bailey) que se dedica a decifrar um mistério. Veruschka aparece (como ela mesma) em duas cenas memoráveis; em uma delas, faz poses sensuais para o fotógrafo – a sequência é ainda hoje considerada uma das mais eróticas do cinema.

Além de Antonioni, Veruschka trabalhou com outros grandes artistas, como Salvador Dalì e Andy Warhol. Tornou-se a maior modelo do mundo, rivalizando apenas com Twiggy. A top inglesa, apesar de sua forma esquálida, era de mais imediata identificação com as jovens da época, simbolizando a garota urbana, a “it girl” que todas queriam ser. Já a alemã grandalhona representava uma sofisticação inacessível; seus editoriais pendiam muito mais para o artístico que para o consumível. “Absolutamente, meu trabalho de modelo era parte de meu trabalho artístico. Sempre vi as coisas pelos olhos de um artista.”

Diferentemente das outras modelos, Veruschka se envolvia no processo de criação dos editoriais de moda, o que nem sempre agradava os fotógrafos e editores. “Eu gostava de colaborar, dava opiniões. Havia fotógrafos, como [Richard] Avedon, por exemplo, com quem se trabalhava sempre em conjunto. Mas alguns morriam de medo de mim, de eu
controlar a sessão de fotos [risos].” Mesmo a amiga Diana Vreeland, lendária editora de moda, nem sempre gostava da atitude da top. “Tínhamos um bom convívio, colaboramos muito juntas, mas ela não gostava muito de como eu posicionava meus olhos na hora das fotos. Ela implicava quando meu olhar passava direto pela câmera e ia para o espaço.”
Veruschka e a saharienne de YSL

Algumas imagens de editoriais com Veruschka se tornaram verdadeiros ícones, como a que traz a top
usando um casaco estilo saharienne de Yves Saint Laurent na selva (clicada pelo então namorado Franco Rubartelli). Muitas das imagens dessa época, aliás, podem ser observadas em luxuoso livro da editora Assouline, “Veruschka” (pode ser comprado no site www.assouline.com), que traz imagens incríveis da modelo clicada por nomes como Richard Avedon, Irving Penn e Steven Meisel.

“Eu tive a sorte de viver os anos 60, quando as coisas aconteciam, havia um sentido geral de revolução. Eu jamais poderia fazer hoje coisas que fazia. A maquiagem e até meu cabelo, era eu quem decidia como seriam. Hoje em dia isso não existe. Eu me diverti bastante com essas coisas”, diz Veruschka.

Em 1972, a modelo praticamente abandonou a carreira, em parte devido a uma briga com Grace Mirabella, então editora de moda mais poderosa do mundo. “Ela quis influenciar meu visual, que eu tivesse um estilo que se parecesse mais comercial, mais ligado à mulher moderna da época, no início dos anos 70. Ela queria deixar de lado as coisas malucas que a Diana Vreeland tinha em mente. Ela me disse, gentilmente: „Você deveria cortar os cabelos e tentar parecer mais feliz diante da câmera‟. Eu não quis, achei melhor parar por ali. Eu achava na época que eu deveria ter o poder sobre minha própria imagem.”
Veruschka decidiu então trabalhar como artista plástica, especializando-se em um estilo de fotografia da qual foi pioneira na década anterior, baseada na transfiguração, em que se camuflava pintando o corpo com as cores dos ambientes onde as fotos seriam tiradas, misturando-se a eles. Fez também alguns filmes e diversas fotoperformances, muitas delas travestida de homem.

Hoje em dia, ela tem uma vida tranquila, morando sozinha (nunca se casou nem teve filhos) em um apartamento em Berlim. Fez apenas uma plástica – “nos olhos, nos anos 90, mas jamais farei outra” – e acompanha muito pouco a moda por achar que nada de original é criado hoje em dia. “Nunca fui de acompanhar a moda com muito rigor. Sempre fiz meus looks e minhas coisas, que, no fim, acabaram virando moda. Eu fui, por exemplo, uma das primeiras a usar minissaia – também porque eu tinha pernas muito longas, então a saia ficava muito curta, sempre acima dos meus joelhos”, ela diz, aos risos.

“Não gosto muito da moda de hoje, de coisas como os saltos altos demais – as modelos não conseguem mais andar direito, com medo de cair! A moda se move em círculos: sempre tem coisas dos anos 60 e 70 inspirando as criações. Os anos 60 foram realmente a última vez quando se criou coisas totalmente novas para vestir. Alguma coisa também foi criada nos 70, até o fim dos anos 80. Mas depois disso, acabou”, diz, com um certo saudosismo. Apesar de todas as dificuldades que enfrentou, Veruschka parece ter mais lembranças boas que ruins de seu passado.


http://elle.abril.com.br/materia/ex-modelo-alema-veruschka-fala-sobre-anos-de-ouro-na-moda-e-depressao-680175.

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